terça-feira, 31 de maio de 2016

Onipotência


O que sai de mim não é exato.
O que sai de mim não tem formato.
O que sai de mim não tem medida.
O que sai de mim não tem saída.
O que eu penso não cabe em uma folha.
O que eu bebo não se fecha com rolha.
O que eu sinto não pode ser contido.
O que eu gesto não pode ser parido.
O que eu desejo é fruto proibido.
O que eu faço não deve nem ser visto.
O que eu temo é o fundo do poço.
O que eu chupo é a fruta e o caroço.
Eu sou a dúvida que te revira o sono.
E sou a dor que pulsa grave no teu peito.
Eu sou a ninfa doce que surge no teu sonho.
E a fêmea violenta que incendeia o teu leito.
Sou a saudade de tudo o que não viveste.
Sou a lembrança de onde não pudeste ir.
Eu sou o prêmio que tu não mereceste.
Sou a tua morte e te ceifarei no fim.



Marginal


Quando vires a chuva forte,
Quando sentires ventos destruidores,
Quando raios partirem o céu,
Prepare-se, estou chegando.

Sou forte e faço o que quero.
Quando quero, posso.
E se não posso, me rebelo.
E se me rebelo, venço.

Não conheço a palavra não,
Não entendo decepção,
Sou firme, não perco nunca,
A vida me cai como uma luva. 

Se choro, saio pra chuva,
Se grito, subo à montanha,
Se mato, fujo e me escondo,
Se amo, eu te procuro.


Soberba



Eu não vou fazer poemas com régua e compasso, 

Nem usar bússola, trena ou calculadora, 

Eu nunca quis um manual de passo-a-passo 

Posto que minha alma vaga livre e sonhadora. 

Quando eu leio, eu não disseco a poesia, 

Como cadáver sobre a pedra estudado 

A minha arte é cara e fina prataria 

E por meros fingidores não será menosprezada. 

Eu me recuso a pôr espartilhos nos versos 

Pra que o formato agrade a gregos e troianos 

Eu prefiro perambular por becos incertos 

Do que seguir mapa riscado por mestres profanos. 

Minha pena não escreverá uma frase sequer 

Para atender as expectativas alheias 

Eu uso de minha liberdade de mulher 

Para construir fio a fio minhas próprias teias. 



Queixa


Eu não escrevo como quem faz joguete com palavras
A minha inspiração não vem com regras nem amarras
Eu não faço poemas pra te explicar nem te perturbar
Os versos que crio são rios de sangue e lágrima

Não pense que espero ser lida e compreendida
Não tenho mesmo essa indigesta pretensão
Quando te aproximares de algum dos meus poemas
Toma-o como granada a explodir-te as duas mãos.